1. O princípio da dupla instrumentalidade


As possibilidades criadas pelos avanços da tecnologia da informação devem tocar o processo judicial. Ninguém contesta essa afirmação e o presente trabalho não se posta como uma oposição a essa evidente constatação. Mas as duas realidades, o instrumento de atuação da jurisdição – o processo1 – e a tecnologia, não podem ser amalgamadas sem o devido cuidado, ao embalo apenas da consideração dos sedutores instrumentos tecnológicos, como já tem ocorrido tantas vezes. É preciso não esquecer das milenares conquistas do Direito, processuais e materiais2, pelas quais, finalmente, os indivíduos puderam sentir certa segurança na convivência com seus pares e, notadamente, com o monstro estatal tão bem representado pelo Leviatã de Hobbes.
Tais cuidados precisam ganhar expressão firme e clara. Propõe-se, nesse sentido, como um meta-princípio3 norteador de todo o almejado movimento de absorção tecnológica – que o legislador chama impropriamente de “informatização do processo judicial” - , o que se denomina de princípio da dupla instrumentalidade da tecnologia no processo eletrônico:
“O processo eletrônico é duplamente instrumental, porque processual e porque essencialmente tecnológico.”
“A tecnologia é instrumento a serviço do instrumento – o processo - e, portanto, sua incorporação deve ser feita resguardando-se os princípios do instrumento e os objetivos a serviço dos quais está posto o instrumento.”
Como se explica a seguir, esse princípio explicita duas balizas de obrigatória observância no avanço para o processo eletrônico. A inobservância de qualquer delas torna inválida e antijurídica a a incorporação feita da tecnologia.
Tratando-se da validade ou não da incorporação tecnológica ao processo, recorre-se, porque oportuno, à teoria geral do processo e, dentro desta, à teoria das nulidades, para propor esse balizamento principiológico.
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1 Processo é, “[...] por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera[...]”.
2 Tome-se, como síntese de tudo, o princípio do devido processo, procedimental e materialmente tomado.

3 No sentido empregado por Écio Oto Ramos Duarte para distinguir, de um lado, os princípios que conectam “algo do mundo concreto” aos anseios gerais de justiça, princípios esses que não decorrem da natureza desse “algo concreto” mas do telos do Direito, e (ii) aqueles princípios voltados à regência da situação mesma a que se aplicam. DUARTE, Écio Oto Ramos. Teoria do discurso e correção normativa do direito, p. 52-53.